Diário
terça-feira 19 de março, 2024
A Espada Interna & suas dinâmicas - Parte I
Se preferes, podes ouvir este artigo do blog aqui, o texto encontra-se em baixo.
Caso escolhas ouvir, de qualquer forma, aconselho-te a ler, pelo menos uma vez.
E se o sentires, por favor, comenta esta partilha. Agradeço-te muito.




O meu fascínio por espadas começa na juventude maravilhada com os filmes dos samurais e as incríveis artes marciais que sempre cativaram-me, ainda sem saber ao certo o motivo. Havia sonhos em que me via uma mulher a saltar telhados e a desafiar as leis naturais desta existência. O meu sonho era praticar Kung Fu e só já nos meus trinta é que tive a felicidade de praticar por dois anos e, confesso, que me senti peixe na água. Desisti pela distância, na cidade onde vivia não havia nenhuma academia a ensinar esta arte marcial. Mas o Tai Chi ainda faz parte das minhas práticas regulares.
A espada nas artes marciais tem uma antiga tradição e, normalmente começa-se a prática com uma espada de madeira, mas essa espada não é uma espada qualquer. Consagramos a espada e convertemos aquele pau de madeira num objecto sagrado que serve para cortar com tudo o que nos impede de ir mais além… olhamos os demónios internos para sairmos do ciclo de repetição que nos mantém presos à roda do hámster, um ciclo de sofrimento.

A espada é um símbolo ancestral que está muito conectado com a sabedoria. A sua verticalidade, tal como um bastão, invoca a integridade e autoridade espiritual. No ser humano, o que lhe permite assumir a verticalidade é a coluna vertebral que funciona como um tronco duma árvore que nos conecta não só com a Terra, através do sistema de raízes - o cálice pélvico, as pernas e pés -, mas também com o Céu pelos ramos, folhas e flores - os braços, pescoço e cabeça.
A sua ponta é direção e foco. A lâmina tem como função cortar com os pensamentos mais ruminantes, padrões repetitivos, crenças limitantes ou seja, com tudo o que nos afasta da inteligência ou consciência mais pura e ilimitada. Na tradição mesoamericana é o punhal de obsidiana que mais evoca este significado.
A espada representa a sabedoria porque nos ajuda a sair da mente mais grosseira e estreita, das crenças mais obtusas, dos padrões que nos impedem de avançar no nosso crescimento espiritual rumo ao nosso maior potencial.

Homens e mulheres, todos trazemos dentro uma espada que, tal como a árvore da vida, nos conecta com o reino mais telúrico e o reino mais celestial. E, nesse sentido, a espada também determina o nosso alinhamento. 

Estamos alinhados quando o que pensamos, sentimos, falamos e agimos vem dum lugar de integridade com o EU mais AUTÊNTICO. Chama-se alinhamento porque cria-se um eixo ou verticalidade energética entre INTELIGÊNCIA-CORAÇÃO-CENTRO DE PODER, ou seja, uma COLUNA de energia entre o CÉU (cérebro) e a TERRA (pélvis) que, por sua vez, passa por vários portais energéticos. Segundo a visão ancestral, o CORAÇÃO é o TEMPLO do espírito/consciência mais subtil e aqui estão guardados os códigos únicos que se traz para esta vida (EU AUTÊNTICO conectado com o coração do céu - SOL).

Quando o pensamento-intenção-palavra-escolhas-ação não estão alinhados com o coração mais subtil ou coração solar, uma série de desequilíbrios começam a emergir de ordem mais emocional até uma manifestação mais psico-somática. Interrompe-se o fluxo harmonioso do Ciclo da Energia / Criação e, se dermos continuidade a esse bloqueio, entra-se num ciclo vicioso de padrão de repetição, a roda do hámster. A causa-raiz desse desalinhamento vem de conflitos internos que, por sua vez, vêm dum sistema de crenças herdado, adquirido e limitante.
Crenças herdadas de outras vidas (ao nível individual, mas também ancestral) e outras adquiridas ou impostas pelo colectivo e sociedade são ativadas por determinadas situações, em especial, durante a infância. Mas ao longo da vida, enquanto não nos libertarmos dessas crenças, iremos atrair “gatilhos” que ativam e reforçam, mais e mais, esse conflito interno. Esse conflito cria uma luta interna, ou seja, passamos a acreditar, sem consciência, em verdades que não são autênticas para sermos aceites, amados, incluídos, reconhecidos, apreciados, etc. Essa luta interna causa uma fragmentação ou separação de certas partes da psique que são rejeitadas e ocultas, tornam-se no que chamamos a sombra.

Quando há luta interna, a Espada volta-se para dentro. Mas mais cedo ou mais tarde, também se criam condições para a Espada se voltar para fora. E assim iniciamos um ciclo vicioso que nos mantém aprisionados a uma dinâmica polarizada que nos conduz a escolhas desalinhadas que nos afastam, mais e mais, da integridade, verdades autênticas e sabedoria. 

Tanto a culpa e a vergonha são emoções para dentro, a espada volta-se para o interior. Ambas as emoções derivam da raiva, uma emoções relacionada - na visão Tao - com o fígado e vesícula biliar. A raiva é um movimento energético ascendente agressivo que resulta duma fronteira transgredida - quando não se honra uma verdade autêntica - ou quando emerge uma sensação de injustiça.
Transgredimos as nossas fronteiras quando, por exemplo, não respeitamos as nossas necessidades sagradas e fazemos escolhas que não respeitam essas necessidades. O nosso corpo diz para irmos fazer uma caminhada na natureza mas acabamos por ficar no sofá a ver televisão. Isto pode gerar não só frustração - que resulta da combinação da raiva com o medo em diferentes proporções -, como também o sentimento de culpa ou mesmo vergonha.

Na visão Tao, o espírito Guardião do fígado, Hun, está habilitado dum sensor que deteta “correto” ou “errado”. Tal como um anjo no nosso ombro, o Hun é a voz da nossa consciência que nos mantém alinhados com a nossa integridade ou verdades mais autênticas. Se as escolhas não estão alinhadas com essas verdades autênticas, Hun detecta e as emoções resultantes são arrependimento, remorsos ou culpa. Quando estas emoções emergem estão a indicar que alguma fronteira moral ou verdade/valor foi transgredido.

Nestas situações é muito importante reconhecer, sentir e reflectir:
1º Qual é a minha responsabilidade e qual não é?
2º Quais os valores transgredidos?
3º Têm esses valores realmente sentido ou são falsas crenças? São verdades autênticas que respeitam a minha essência mais pura?
4º O que posso fazer para corrigir e assumir a responsabilidade de mudar?

Numa sociedade que já há mais de dois milénios se desconectou das leis mais naturais e da sabedoria inata, muito do que chamamos verdades, infelizmente a maioria, são meramente crenças herdadas, adquiridas, impostas e muito limitantes. Sempre que qualquer emoção emergir é importante não só a reconhecer, sentir, mas também questionar de onde vem esta emoção, o que está a proteger e se a verdade que a sustem faz realmente sentido. A alquimia emocional é um processo inicialmente corporal, muito somático, mas a total libertação vem aliada com a autoreflexão. O questionamento, introspecção e contemplação permite-nos ressignificar a experiência através da libertação de falsas crenças.
Um exemplo disso são as crenças morais familiares e mesmo culturais, muito enraizadas que se perpetuam, de geração em geração, até alguém ter a coragem de as reconhecer, contemplar, questionar e libertar.
Infelizmente, muitas ainda estão bem vivas e continuamos a vive-las de forma muito inconsciente. Uma das mais comuns no povo português é a ideia de que, para algo ter valor, tem de ser fruto de muito esforço. É o “sangue, suor e lágrimas” como eu costumo chamar. E ainda nos sentimos muito orgulhosos por atravessarmos o calvário e carregarmos a cruz às costas, sem nos apercebermos que nos estamos a auto-infligir com a nossa própria espada e a tornar a nossa vida miserável.

Relativamente a ajudar o outro, quando e como, ainda há muito que desconstruir e ressignificar. Está gravado nas nossas células que temos sempre de ajudar o outro, em qualquer circunstância, e esse é o maior ato altruísta… será mesmo? Não será, em muitas situações, uma ajuda que vem da falta de confiança no outro e na grande mestre vida, e, até mesmo, da necessidade de sermos heróis, até ao ponto de estarmos constantemente a atrair situações em que nos possamos sentir os salvadores?! Não será o maior ato altruísta salvar-nos a nós mesmos?! E não será mais importante “ensinar a pescar do que dar o peixe”?! Não será mais importante ajudar o outro a encontrar as respostas corretas em vez de lhe dar as respostas?! E saberei eu realmente a resposta que lhe corresponde?!
Alguma vez te questionaste por que motivo os portugueses usam tanto a palavra desculpa, mesmo quando não há qualquer motivo para a usar? Em muitas situações a palavra mais indicada seria “obrigada” e, ainda assim, preferimos a palavra “desculpa”. Chegamos ao cumulo de sentirmos culpa por estarmos vivos… O sentimento de culpa está tatuado nas nossas células e vai determinar o sentido de merecimento e a capacidade de receber.

Mas o sentimento de culpa deixa de ser uma luta quando, não só reconhecemos que o nosso comportamento não estava alinhado com os valores autênticos, como também passamos a tomar medidas para assumir as consequências e corrigir com novas escolhas e ações. No entanto, ao fazer esse reconhecimento é também, muito importante, reflectir se realmente aquilo a que chamo “a minha verdade/valor” é uma verdadeira verdade ou ainda uma das daquelas falsas que ainda necessito de libertar. 
Quando existe este tipo de reconhecimento consciente, a culpa passa a ser responsabilidade, que, em essência, significa ação alinhada com novas intenções. A luta cessa e a espada regressa à sua verticalidade.

Quando a culpabilização é para o exterior, o que muda na dinâmica é a direção da espada que agora é de dentro para fora. Mas continua a ser uma dinâmica polarizada, sustentada em padrões repetitivos e crenças limitantes.

Espada para dentro ou espada para fora? Luta interna ou luta externa? Haverá alguma situação melhor que a outra?
A resposta é simples, em ambas somos vítimas duma fragmentação, divisão entre o “eu” autêntico e o “eu” ferido, originada no passado - esse passado que moldou as crenças enraizadas no subconsciente - que nos faz acreditar, sentir e agir de forma viciada, repetitiva e limitada. 
Nada, nem ninguém beneficia dessas situações. As frequências emanadas são de escassez, limitação, vitimização, dependência, sofrimento em algum ou alguns aspectos da nossa vida. O campo energético-emocional que nos envolve vai ser um reflexo destas mesmas frequências. Como energia atrai igual energia, o que vamos atrair, mais e mais, são o mesmo tipo de situações, espelhos e gatilhos que reforçam a escassez, limitação, vitimização, dependência e sofrimento… até chegar o dia do reconhecimento consciente e da libertação. Esse é o dia que passamos a sair da repetição e a abrir novos caminhos, libertando o passado e criando condições para manifestar os sonhos que apenas existiam na ilusão do futuro. 

É possível essa mudança interna? Sim, com as corretas ferramentas psico-somáticas acredito que é possível porque eu mesma sou a prova. A alquimia tem lugar no sofisticado laboratório que compreende o sistema corpo-mente-espírito… e voilá, a magia acontece!

(este artigo continuará na parte II)
Escreve um comentário
Marta Carvalho
Muito grata querida Ana. Fico à espera da segunda parte :) Também eu adoro o Tai Chi, e que saudades tenho do Tog Chod e da sua espada… ajudou-me tanto!! :) Fiquei muito curiosa com a jornada dos sonhos… Um abraço, Marta
Ana Taboada
Grata eu querida Marta por me leres e ouvires... sim, também adorava o Tog Chod mas ainda antes de sair da organização, comecei a sentir que alguns princípios não estavam de acordo com as minhas verdades. A questão de lutar contra os demónios foi algo que me incomodava bastante já que o Chod original é complemente oposto como sabes: alimentar os demónios. Comecei a ensinar que não era luta mas sim uma dança com os demónios, mas a energia era da raiva e de certa forma continuava a ser uma luta. Depois passei a praticar apenas a nível pessoal, mas gradualmente as águas começaram a ficar turvas quando decidi sair da Organização e não seguir mais Tulku Lobsang. Eu mesma tive de usar a espada interna para cortes profundos. E desta forma ainda continuo a praticar ;)
Por favor indica o teu primeiro nome
Por favor indica o teu último nome
Por favor indica o teu Email
Por favor indica o assunto
Por favor indica o teu comentário
*Campos Obrigatórios
Comentário submetido com sucesso!
Por favor indica o teu primeiro nome
Por favor indica o teu último nome
Por favor indica o teu Email
Por favor indica o assunto
Por favor indica o teu comentário
*Campos Obrigatórios